Tuesday, March 11, 2008

HORA DE ESCREVER
(no exemplo de Ademir Braz )

Ademir Braz, no seu Quaradouro, mostrou o primeiro capítulo do romance que escreve. Então, tomei coragem e mostro as primeiríssimas linhas da novela, meio termo entre o conto e o romance, que começo a tentar escrever.
A partir de uma notícia publicada no Liberal, em 30 de dezembro de 2003, contando a história de João Tucum, morador de Placas, na Transamazônica, que foi “torturado, executado e esquartejado” , durante três dias, no meio da mata, por vizinhos seus que o acusavam de ter assassinado o namorado da filha dele.
O rapaz desapareceu e Tucum foi condenado por isso pelos vizinhos. 30 dias depois, o rapaz reapareceu contando que havia se perdido na floresta.
Tarde demais para Tucum, que vivia nas florestas da Transamazônica, pano de fundo, com suas histórias de posses, ocupações, lutas, riquezas, beneficiando poucos, sacrificando muitos - já tenho um razoável material sobre a região - tendo como linha os dramas humanos que vou tentar relatar.
Sei lá se vou conseguir.
NA FLORESTA é o título. Desculpem o amador desse tipo de narração.

NA FLORESTA 1

Primeiro, foi um pé. Na verdade, um resto de pé. Parecia ter sido devorado com avidez pelos bichos da floresta e, quando foi encontrado, só os vermes se interessavam por ele.
A mata da estrada TRansamazônica era fechada, a chuva do inverno paraense não parava e andar pela floresta, principalmente nessa época do ano, a das chuvas, era uma guerra até para os caboclos mais acostumados a se embrenhar por todas as tocas do inferno verde.
Eram 30 homens, armados de facões, lanternas, espingardas de caça, cartucheiras, farinha e carne seca. Há dois dias, vasculhavam cada árvore, cada touceira, cada buraco na terra e na lama.
Por mais macabro que parecesse, o resto do pé acendeu as esperanças nos rostos duros e tensos daqueles homens acostumados a conviver com a violência.
A noite amazônica de março começava a cair, sem lua e sem estrelas.


NA FLORESTA 2

Cícero Romão estava fazendo vinte anos nesse dia. A casa grande de madeira não era nem sombra do que havia sido na sua infância. Nela, só restavam a mãe, bebendo diariamente o passado de ouro e a velha vó benzedeira e cheia de estórias que fazia a alegria e o pavor da garotada com seus sacís, curupiras, botos e cobras grande.
O pai de Cícero havia bamburrado na corrida do ouro do Tapajós na década de 80 e, como a maioria dos garimpeiros da região, perdeu tudo em farras, mulheres, bebedeiras e, principalmente, sendo enganado pelos atravessadores.
O filho único de Severino Romão mantia a casa fazendo tarefas para os fazendeiros, derrubando a mata aqui, roçando ali, abrindo picadas, vivendo entre leras e esteiras.
No dia do seu aniversário, ele acordou cedo, como todas as manhãs, tomou um café aguado, comeu uma canjica, vestiu sua melhor roupa e partiu pra casa de Joana, a namorada de todos os tempos, com quem ele pretendia se casar. E logo.






NA FLORESTA 3

Quando o helicóptero pousou na clareira no meio da mata fechada, o agente federal Augusto dos Anjos, que gostava de dizer que tinha nome e alma de poeta, sentiu um calafrio como há muito não sentia. A última vez que pisou nessas terras, havia a febre do ouro do Tapajós.. A vida de um homem, naquelas épocas, era, literalmente, pesada na balança.


NA FLORESTA 4

João Mutum tinha por hábito acordar as duas filhas antes do sol nascer. Ele gostava que as meninas vissem o sol vindo por detrás das grandes copas das árvores que cercavam sua casa feita de pau a pique, coberta de palhas e chão de terra batida. Gostava também que elas imitassem o canto do galo que era muito mais que um simples galo: era o Gordon, um animal de estimação que João garantia, nunca iria para numa panela.
Não que a comida fosse abundante, pelo contrário. Mas, o Gordon era como se fosse da família.
Nesse dia, o Gordon demorou a cantar e quando cantou, seu canto era triste. Parecia um mau presságio.
João acordou primeiro a mais velha, Joana, com seus dezessete anos de cabelos lisos de índia, um rosto marcado pelo sol mas com aquela beleza nativa que só as caboclas do Pará tem. João tinha uma nítida predileção por Joana, tanto que levou ao feminino o seu próprio nome.


NA FLORESTA 5


Cristino Aragão vivia da memória do ouro e do ódio dos homens. Filho de pai preto e mãe índia, com um metro e noventa de altura e a boca cheia de dentes dourados, era uma figura que nunca passava desapercebida.
No amanhecer amazônico, Cristino pensava naquele resto de pé e sabia que, depois dele, viriam as penas, as mãos, e, por fim, a cabeça.

NA FLORESTA 6
Transamazônica, março de 2004. A estrada estava lisa, as chuvas não paravam e a cabeça dóia.
Na carreta, dez toneladas de mogno arrancadas da selva e cinco homens com um só assunto: o que aconteceu com o jovem Cícero Romão ?
O primeiro a falar foi Raimundo, sempre o mais falador .

NA FLORESTA 7

Um repórter da CNN chegou. Ele e um celular ultra moderno, daqueles que o repórter tirava do bolso e se integrava ao mundo.

3 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Afonso, por favor publica logo ou conta toda a história, a ansiedade é enorme só com este início.

ABS Janjão

5:13 AM  
Anonymous Anonymous said...

Bom dia, Afonso:

li e reli.

Na releitura foi mais fácil deixar a curiosidade de lado e ler apenas.

E entrar na história, e imaginar os personagens - alguns tão familiares! - e, ainda que você tenha antecipado o enrêdo, ansiar pelos novos capítulos.

Beijos

5:31 AM  
Anonymous Anonymous said...

Muito bom.
Vá em frente, na sua novela amazônica.

10:36 AM  

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